segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Que nem a Minha Alma


Pode ser a última frase esta daqui.
Se Deus permitir que meus rascunhos estejam aqui quando eu não mais estiver.
Espero que desenhos japoneses e receitas culinárias que nunca serão feitas, jamais tomem minhas páginas.
Prefiro-as brancas do que “impoemáveis”. Negras do pó, que um cálculo errado de matemática.
Tudo funcionava tão bem, os parágrafos tinham distância certa, a letra era tão elogiada... Que nem a minha alma.
Que busca é essa que só faz ficar pior?
Quantos defeitos!
É tão tarde da noite que nem a minha alma consegue despregar os olhos.
Por estes lados a dança já cessou que nem a minha alma.

Eu nasci pra doutorar estrelas, pra nem saber o que digo, pra lhe fazer sentir que o limite é um pouco menos alto que esse precipício.
A maçaneta da porta da frente enferrujou que nem a minha alma.
A tsunami matou os banhistas que nem a minha alma.
A fofoca rolou boca-a-boca que nem a estrada falsa.
De tantas faces, tão trasvetido... Com a alma tão grande... Que nem a minha!
Prata pra ver no prato preto. Estourado a quem não entender... “Alguém me entende?”
Vai ser um dia, vai ser um dia que nem a gente sonhava... A gente só sonha mesmo.
A gente queria tanta coisa.
Eles vão ser que nem a gente, vão ser que nem a minha alma.
Yeah! Yeah! Me ajuda a gritar!
Os cavalos tem hora marcada pra passar, á trote é que nem a minha alma.
Deus é uma garotinha viciada em chocolate. Quebra suas bonecas, cai do balanço, e cata moedas na estante.
Chocolate, bonecas, balanço, moedas...
Que nem ela! Que nem a minha alma!


Douglas Tedesco – 12/2007

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Bailei na Curva - cena linda.


O lindo texto "Bailei na Curva", uma das cenas mais lindas... A mãe que nunca mais verá o filho...




CENA 12: O SONHO
"Adianta lutar sozinho?" ou "Tua calça de brim está no arame, vai buscar."

(MUDANÇA DE CENA. CASA DE PEDRO. DONA ELVIRA COSTURANDO. PEDRO CHEGA. É NOITE.)
DONA ELVIRA
Pedro, isso é hora de chegar?
PEDRO
A mesma hora de sempre.
DONA ELVIRA
Tu sabes que eu não durmo enquanto tu não chegas?
PEDRO
Mãe, tu sabe que esta luz é fraca, faz mal para os olhos. Mania de costurar no escuro.
DONA ELVIRA
Eu sei, a Gabriela já me falou.
PEDRO
Então, precisa te cuidar mais.
DONA ELVIRA
Tu estás com fome?
PEDRO
Estou.
DONA ELVIRA
Vou fazer alguma coisa.
PEDRO
Não precisa.
DONA ELVIRA
Que fome é essa então?

PEDRO
(PAUSA) Mãe, o que a gente faz quando não tem mais nada prá fazer?
DONA ELVIRA
Não sei...
PEDRO
A gente fica parado... dorme...não faz nada.... ou faz alguma coisa? (SILÊNCIO) O mesmo silêncio de sempre, ninguém responde. Por quê?
DONA ELVIRA
Filho, o que a gente responde quando não tem nada para responder?
PEDRO
É isso que eu quero saber! Sabe o que foi que descobri? Que a vida do pai não foi inútil. As pessoas continuam lutando e gritando.
DONA ELVIRA
Gritar o quê? Ninguém ouve. O que tu estás procurando, meu filho? O que tu queres?
PEDRO
Eu quero não te ver costurar até a essa hora da noite. Eu quero não precisar contar os centavos no fundo do bolso. (PAUSA) Eu vou embora.
DONA ELVIRA
Ir embora não adianta.
PEDRO
Quer que eu fique aí, estudando e trabalhando, prá quê?
DONA ELVIRA
Olha a tua irmã? Ela está estudando, vai ser médica, vai ser alguém...
PEDRO
Prá quê?
DONA ELVIRA
Prá ter a vida que nós não tivemos.
PEDRO
Ela está passando para o outro lado.
DONA ELVIRA
Que lado?
PEDRO
O lado deles.
DONA ELVIRA
O lado dos que vivem.
PEDRO
Não adianta remendar, o buraco é muito grande. (PAUSA) Tenho sonhado muito com o pai...
DONA ELVIRA
Teu pai sonhou e olha no que deu.
PEDRO
O pai não estava sonhando.
DONA ELVIRA
Adianta lutar sozinho?
PEDRO
Ele não estava sozinho. Tem muita gente com ele. Porque estão de boca calada não quer dizer que não pensem. Eles pensam e bastante.
DONA ELVIRA
Pedro, tu está falando igualzinho ao teu pai. Não quero te ver metido com esta gente.
PEDRO
Queres que eu fique de braços cruzados o resto da vida?
DONA ELVIRA
Não quero te ouvir falar neste assunto. (BATEM A PORTA. APREENSÃO)
HOMEM
Depressa. A gente está esperando.
PEDRO
Já estou indo.
HOMEM
Não demora, nosso contato (VÊ DONA ELVIRA) não podemos esperar mais... (SAI)
(PEDRO FECHA A PORTA. A MÃE ESTÁ EMOCIONADA, CHORA)
DONA ELVIRA
Pedro, tu calça de brim está no arame. Vai buscar.
(PEDRO SAI. DONA ELVIRA DOBRA COM CARINHO E LENTIDÃO A CAMISA DE PEDRO. SEUS MOVIMENTOS SÃO LENTOS, DOLORIDOS E DENSOS. PEDRO VOLTA. ELA ENTREGA A BOLSA DE VIAGEM. ELE COMEÇA A SAIR.)
DONA ELVIRA
Mesmo que não der prá mandar o endereço, escreve de vez em quando.
PEDRO
Eu escrevo.
DONA ELVIRA
Te cuida, meu filho.
PEDRO
Mãe, dá um beijo na Gabriela.
(PEDRO SAI. LUZES SE APAGAM. OUVE-SE UMA GAITINHA DE BOCA TOCANDO NO ESCURO.)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

AVE MARIA MORTA





Mãe! Mãe! ...Nenhum submisso chama-se de filho,
Nenhum crucifixo derrama lágrima pelo carinho vindo de uma lápide.
Tudo vaga num sentimento em recesso, nos pássaros ressuscitados,
No toque de milagre ao que se clama salvador.

Aquele que há de ter alma terá medo!
Os que hão de colocá-lo sob o mesmo teto carregarão efêmeros suspenses.
O poder não é só para o bem, os anjos não governam somente o céu.
Amordaçados pecados que á maternidade não convém. Maltratados, jogados...
“Isto não é ser pai meu Deus!”

É só um princípio sem fim, coletânea de evangelhos a professar.
O que significa na pele sentir sem mesmo ter a mesma pele?
Magistral é ver pelas íris sem cor os gestos cegos descoloridos.
“Não te expressas, te calas, não te ajoelhes”...
...És toda a força deste menino.

Ensinai desde já que os cordeiros são brancos porque a eles o bom pastor quem vinga.
Que a humanidade vai prestigiar ainda ausente, porque a sociedade alarma e desavisa.
Que tu és só personagem de momento, mulher de muitos e pureza odiada.
Que as coisas da vida és tu quem balança até sentires o divino desequilíbrio.

Ascensão pra ti é o sabor da morte sem sangue.
O valor de estar de estar no céu, e ser tantas senhoras.
Desce Maria, porque ainda tens muitos filhos pra criar!
O homem do mundo era só pra te fazeres abençoada,
Pra mau te compararem com desclassificadas.

É quem tem na vida a sorte e a luta: de ser logo escolhida sem contato e sexo,
De não dependurar-te numa altura que estivesses nua, de pulso em coágulo trêmulo.
Algumas, qualquer uma se despe e chora, chora e finge mais gemer... (talvez de perda talvez de prazer).
No entanto, num instante e tanto de sorte, era teu o deleite da morte.
Não extermínio, só eternidade esquiva, de quem na verdade nunca esteve viva.




Douglas Tedesco - 13/12/2007




quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Curso Básico de Teatro Anchieta


ANCHIETA ARTE CÊNICA
23 anos de cultura e lazer em Santa Catarina

Release


Curso Básico de Teatro – Janeiro/2008
O curso tem como base o ensinamento de toda a noção básica da montagem de um espetáculo teatral, passando pelo processo da interação do grupo, jogos cênicos, interpretação, direção e toda a carpintaria técnica para a produção de um espetáculo teatral.

O Curso Básico de Teatro teve início em fevereiro 1986. Havia uma necessidade de se criar “teatreiros” na cidade, que até então, atravessava um período de cortinas fechadas. Com a conclusão do primeiro trabalho as cortinas foram abertas, permitindo a continuidade do aprendizado cênico, oportunizando a criação de grupos e montagens de espetáculos.


Uma peça de teatro é montada com a escola de teatro AECA (alunos do exercício cênico Anchieta), com a participação dos alunos, para a finalização de curso. Vários espetáculos já foram montados: “Bailei na Curva”, “Um trem para Itajaí City”, “O Homem do Poder”, “Filme Triste”, “Amor Eterno Amos”, “A Casa da Mãe Joana”, “Cristão – Ser ou não Ser...”, “Banquete dos Miseráveis”, “ Lambreta, Brilhantina e Rock’n roll””Era uma vez...,” etc. O Curso tem início sempre às 19 horas indo até às 22 horas. Nesta edição, mais um espetáculo será montado.

Ministrante: Valentim Schmoeler (Ator e Diretor)
Inicio do Curso: 07 de Janeiro/2008
Término: 27 de Janeiro 2008
Custo: R$100.00 (cem reais)


É necessário que os alunos venham com roupas leves, que permitam movimentos corporais.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Je$u$ e o primo do Papai Noel

Eu não gosto de natal. É completamente pessoal, mas não gosto. Não tem nada a ver com vidas passadas, traumas de infância,teorias relativas, mas crenças de igualdade e humanidade, ou melhor: de desigualdade e desumanidade. Sim, acho muito lindo a questão das luzes, da decoração, mas não gosto de natal. Também são lindas as músicas, os pratos deliciosos, mas não gosto de natal. As histórias, os filmes são bem tocantes, mas não gosto de natal. As apresentações, shows, encenações e coisas do gênero para a data são maravilhosos, mesmo assim... Você sabe. Porque penso o seguinte: muitos comemoraram, fazem festas magistrais, porém, há também os que não podem com nada disso, os que tem de suportar o querer dos filhos, a fome sem nada fazer... É o natal dos necessitados, e embora hajam campanhas, solidariedade á tona, nada basta... Faço a minha parte, e prefiro não comemorar, do que comemorar e ter de ver sofrer quem não tem natal, o nosso natal capitalista, de comidas, quitutes, papai noel, e bem pouco de Jesus, mas muito de Je$us$. Mas contando uma breve destas histórias de natal, em meu último ano no colegial, o diretor, o amigo Ronaldo Leal, em preparação para o natal, decorando a escola para a chegada da referida data, colocou num dos pátios um papai noel, de mais ou menos 1,50m. Era ele como todo Papai Noel que conhecemos: sua roupinha vermelha, touca, pele branquinha e bochechas rosas. Eu o vi, junto de alguns colegas, antes de ser colocado no tal pátio, na sala do diretor. Houve então aquele encantamento repentino pela imagem, e na seqüência um instante de suspense quando Ronaldo disse: - Olhe bem pra ele, agora olha pro Douglas... Eles são primos. Não são parecidos? Gargalhada geral, inclusive minha, não havia porque de magoar-me, a mais empolgada a rir foi Franciane, que fez piadinhas e zoou muito das palavras de Ronaldo. Eu levei a brincadeira a frente, qualquer movimento silábico que havia em função do boneco, eu, ou alguém se manifestava. Um pouco depois disso, na minha casa, começamos a falar dos conterrâneos, das pessoas. E história vai, história vem, falamos do Fernando, uma pessoa especial, mecânico, e que todos os anos faz um incrível trabalho como papai noel, distribuindo balas ás crianças nas ruas de minha cidade, isso tudo dentro das características: roupa, barba, e até o trenó. E sem nem eu citar a história que tinham inventado na escola, meu pai larga esta: “Ele é meu primo, o Fernando!”... Se ele era primo do meu pai, logo também era meu primo, mesmo que de segundo grau, mas era. Então como lenda, conto de “fadas” que vira realidade, eu era mesmo primo do papai Noel, e não do boneco que adornava a escola, mas do “verdadeiro” de Tijucas. Que orgulho! E mais orgulho ainda, quem faz pelo bem, quem vê Jesus, e não Je$u$... Tendo estes fatores em comum então, até dá uma pontinha de ânimo para comemorar o natal, mas isso não quer dizer que eu gosto dele, eu não gosto do natal.







Douglas Tedesco – 12/2007

5 X 5




Não sei! Acho que não vai ter ensaio!
Pode ser que o pedido das empadinhas não fique pronto a tempo!
Quem sabe se eu te pagar o resgate daqui a uns 15 minutos, ele saia vivo!
É certo que estes débitos não acontecerão com nossa empresa!
Os remédios estão demorando muito pra fazer efeito!


... Com certeza é por causa daquele diretor idiota!
... Cancelo as empadinhas com muito prazer senhora. Sua vagabunda!
... Mas eu não posso pagar isso tudo seu merda! Não, meu filho não!
... Como? Bando de otários! Como não registraram estas dívidas?!
... Porcaria! Preciso agora de outros remédios mais fortes, mais caros!


Não dá pra continuar num grupo de teatro assim!
As encomendas de salgados estão diminuindo!
Eu não vou conseguir arrumar esse dinheiro, ele vai sofrer!
Esta dívida vai derrubar a empresa! É muito alta!
Eu estou ficando cada dia pior. Os remédios não estão adiantando!

(mágoa) - Tô fora do grupo, procurando outras coisas do gênero.
(tristeza) - Fechei as encomendas de salgadinho.
(desespero) - Eles me ligaram, nosso filho morreu porque não paguei o resgate!
(ódio) - Entramos em falência. As dívidas acabaram conosco! Estão todos na rua!
(carência) - Tenho apenas mais quatro ou cinco dias de vida, me ajuda a aproveitar o que resta!

Por favor, eu quero fazer teatro! Alguém me dá um emprego, cozinho muito bem!!! Meu filho não, meu filho não!!! Um prato de comida pelo amor de Deus. Se quiser eu trabalho pra em troca da comida!!! Silêncio, que a paz esteja com ela, que já não habita mais entre nós!!!


Douglas Tedesco – 12/2007

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

BOCA-DE LEÃO II




Você já viu uma pessoa morrer?
Eu já vi flores... E é tanto quanto no sentido.
Então é triste quando se trata da época de ter de retirar as bocas-de-leão do jardim.
Todas as outras ficam lá, não se tem muitas flores, são mais folhagens bonitas, e elas convivem numa paz que chega a virar tolice.
A tolice talvez seja nossa, em imaginar que as flores como elas (coitadinhas e pequeninas) saibam pensar e dizer coisas.
Pode até ser tolice quando e lenda, boato sem comprovação.
Mas a que ponto deve-se tratar quando se vê? Quando se ouve de suas bocas finas e coloridas murmúrios de alegria? Só porque estão vivas... Porque o tempo é curto, e a verdade é de que a morte as espera, não ter terra sob si, mas sobre si.
Passam então a alegria de uma conversa por entre folhas, a ser o lamento conformado de alguém que sabe do fim.
Quanto a nós, nada de mais, porque cremos que a morte é a verdadeira libertação, na hierarquia do bem estar, é o mais alto.
E cremos que são só momentos de insatisfação, elas notarão assim que estiverem no céu das plantinhas, O jardim do éden, onde provavelmente já estão duas violetas nossas, e uma samambaia que fora presente e deixamos se perder.
Espero que todas as outras bocas-de-leão estejam bem lá... Falando assim até me sinto um assassino, mas não matei, apenas cuidei e elas fizeram o resto... Elas são um pouco exibidas, adoram se mostrar. E no fundo estão certas, porque de repente se vão, então começo já deve ter sentimento de último, de “tudo pra valer”!
É tudo tanto mistério, que só com o som da natureza elas já dançam... E a natureza às vezes é meio desafinada...
Mas num tudo e por final, por fanal, espero que tudo esteja bem com todas elas.
Que estejam bem mais coloridas, bem mais vivas, exuberantes e exibidas.
Em suma, que esteja tudo bem com todas, pra não remoerem que não fui bom com elas, pra não duvidarem que foi com bastante carinho.

Douglas Tedesco – 12/2007

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Elas não Peidam, nem ficam Peladas


Na lista de milhares de piores coisas que existe a se ter que passar no mundo, uma delas é entrevista de emprego. E assim como milhares de seres humanos passam por isso, Silvânio, personagem este por qual não vou atribuir muitos detalhes e intensa literatura, porque nele o que realmente nos interessa são pequenos pontos no jeito de ser para concluir o fato.
Silvânio trabalhava, até o dia em que seu patrão o viu fazendo uma festinha com garotas e bebidas no local de trabalho, portanto ele e mais alguns foram demitidos por justíssima causa. Aff, que burro este Silvânio (eu tenho a péssima mania de criar personagens idiotas). Silvânio, mesmo idiota, era esperto no seguinte quesito: trabalhara até hoje em lugares com pessoas legais, que sabiam rir, se divertir, falar boas palhaçadas e tornar o ambiente, em geral estressante e bem atarefado, num lugar prazeroso. Onde falavam palavrões, se xingavam numa gostosa brincadeira, e riam dos que atendiam.
Mas estes dias acabaram-se devido a falta de cautela dos que os constituíam. Ele tinha de procurar emprego em outro lugar, foi em uma grande multinacional, na parte administrativa onde faria uma entrevista para determinada vaga no cargo que ocupara em anteriores empresas.
O ambiente era escuro, haviam três mulheres, uma de vinte, outra de 30 e poucos, e outra de seus cinqüenta e tantos. Logicamente, nenhuma delas mostrou cédula de identidade, era só uma questão de olhares pra ver. Todas tinham uma enorme cara de cú, a mais jovem era linda, mas perante seu mau humor sua beleza era semelhante a de um cutuvelo., porém olhando-a mais uma vez, notou que era uma colega do outro trabalho, Joanita, estava agora muito diferente, estava igual as outras, ficou contente de ver a amiga, sorriu e a cumprimentou vocalmente... Ela olhou e nem respondeu, não se expressou de qualquer forma. Entendeu e ficou bem chateado. Atendiam mal, estavam tão atarefadas que mau olharam para Silvânio. Não havia música na sala, apenas uma jarra de vidro com café preto, e nenhuma conversa. Olhares sérios e nenhum mural com flores de papel e mensagens de amizade bem estar e reflexão. Tudo absoltamente tudo estava marcado, nas gavetas o que era o quê, vários relógios, centenas de canetas BIC, ofícios numerados e por toda parte uma logomarca horrorosa.
Cinco minutos se passaram, e a velha o atendeu nem dizendo bom dia, mas bufando e conferindo o relógio.
- Pois não. É a entrevista?
- Sim senhora.
- Ok, eu sou a psicóloga, podemos começar?
Nossa! Ela era a psicóloga, se o nível era hierárquico, imagine como deveria ser o proprietário.
Começaram as perguntas, ela lia num papel, tudo era muito decorado e sem expressão ou vontade. Ele as respondeu naturalmente.
Aquela sala era extremamente pesada. O clima dava uma preguiça, stress, sono, mescla de coisas que não se pode ter no trabalho.
As outras duas faziam contas, digitavam nos teclados barulhentos com tal força que era milagre ainda estarem inteiros. Seus óculos brilhavam as lentes de gordura, era possível avistar marcas de dedos a quilômetros. Além de tudo eram porcas.
Uma delas olhou para o relógio, já era meio-dia, fez uma alarme onde ficaram muito mais agitadas, guardando papéis, limpando coisas, ignorando mais do que nunca a presença de Silvânio.
- Senhor, me desculpe, nós temos que almoçar. São vinte minutos. Depois que voltarmos continuamos a entrevista .
Ele saiu sem entender, sem entender não, na verdade perplexo, e elas saíram em seguida apagando as luzes e trancando as portas. Sendo assim, iria ele também almoçar, foi num restaurante á quilo ali perto, e após servir sua montanha no prato, sentar-se e pedir sua coca-cola zero, viu no outro lado da rua em um restaurante mais fino, as irmãs cajazeiras, o trio metralha almoçando. Comiam com pressa, pequenas porções, tinham vergonha de tudo, pediam uma água mineral de 500ml para as três. Alguns homens mexiam com elas, e nada faziam além de retorcer a cara e ficarem vermelhas de vergonha.
Voltaram, Silvânio foi logo atrás dela, no caminho não falaram nada, andavam depressa nos saltos de camurça. Abriram a porta, acenderam as luzes, desengavetaram papéis, sentaram-se e tudo voltou. Silvânio entrou, e antes que sentasse a “psicóloga” exclamou: - Que roupas são estas para se fazer uma entrevista? (ele estava de calça jeans, e tênis azul combinando com sua camisa gola pólo).
- Desculpe senhora, o que tem de errado?
As outras olharam, ficaram boquiabertas olhando-o dos pés a cabeça, emitindo sons guturais de desapreço.
- Isso não são trajes para uma entrevista de emprego, se retire daqui imediatamente.
Era realmente lamentável não haver mais ninguém no corredor, não poder fazer um show de escândalo para grande público. Ele sabia que não se encaixaria naquele emprego, quer dizer, naquela escravidão. Mesmo assim resolveu insistir: - Mas senhora, eu estava aqui já antes de vocês irem almoçar, e vestido deste jeito!
A velha quase desmaiou – Oh! – Isto foi um grito! – Então devo estar cega, louca! Como Deus, como pude permitir isso naqueles minutos atrás? – Ele era muito teatral.
Joanita se meteu na conversa: - E este seu jeito de andar, acha que está aonde? Seu esquisito!
A vez da meia idade: - E este seu corte de cabelo, e estes trejeitos! Nunca serviria para trabalhar aqui!
Ele então aos berros passou a relatar tudo o que faziam no seu antigo trabalho onde fora demitido.
Elas instantaneamente ficaram estafantes, tontas e cansadas, era cada absurdo.
- Joanita! Você é a maior vagabunda, não saia do motel com o chefe e xingava todo mundo onde trabalhávamos. – Joanita desmaiou. As outras nem se mexeram, era absurdo extremo.
Ele continuou: - E vocês velhas? Já viram isso – ele estava suando, abaixou as calças e mostrou todas as partes. – fizeram elas menção de também cair em desmaio, rápido ele pegou a jarra de café e jogou nelas, voltaram á tona, meladas! Gritavam histéricas, enbtão apareceram mais funcionários. O show tinha de acabar e Silvânio barraqueiro como era tratou de terminá-lo.
- lá no meu trabalho nós ficávamos nus! – E tirou o restante da roupa. Avançou nas senhoras e também lhes deixou peladas. Fez tremenda força e conseguiu próspero arroto podre e peido audível na china.
Uma chuva de “ohhhhh” e burburinhos. Elas não sabiam onde enfiar a cara.
Seguranças chegaram, mas Silvânio com as calças na mão, já estava bem longe.
E foi assim que esse personagem idiota acabou com aquelas muquiranas ao menos por um dia. Além de não ter conseguido um emprego, ficado nu em público (o que era um grande sonho), além de ensinar como não se deve agir em certas ocasiões.
Nossa, como Silvânio é educado e gentil não é mesmo? Nos ensinou esta porção de coisas... mas nem por isso deixa de ser um personagem idiota!





Douglas Tedesco – 12/2007

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A CAIXA


terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Boca-de-leão





O mais certo desta vida, é de que tudo fica e somente nós iremos daqui. Por isto esta terra não é nossa, Por isso nunca temos muita razão. Mas um bem que fazemos, é cultivar estas coisas que dizemos “ser nossas”, quando na verdade somos nós quem pertencemos à elas.
Minha família cultiva alguma flores, uma florzinha chamada boca-de-leão. É muito bonita, e realmente lembra uma boca, floresce na primavera, e uma única vez, após o pezinho de onde brotaram as vivas cores em pétalas, morrem.
Tudo aconteceu quando vimos alguns pés adornando o jardim de minha vó na capital, isso faz bons anos. Então minha mãe interessou-se e minha vó lhe deu algumas sementes, na verdade muitas sementes. Não acreditei a princípio que aquilo se transformaria em flores, porque nunca acreditei muito em sementes, mas aquelas minha vó quem tinha nos dado... Era mais confiável.
No dia seguinte minha mãe a plantou as sementes em uma caixa com terra preparada. Um mês após nasceram pequenas plantinhas, fininhas com folhas fininhas, muitas, muitas de verdade. esperamos mais um pouco, e a colocamos em nosso jardim, com terra úmida e preparada.
E um tempinho depois vieram as flores... Muitas em cada pé, nos muitos pés que coloriam todo jardim, e que minha mãe e meu pai se revezavam a regar para que não deixassem de vir. Eram de muitas cores, e também tem as que se fundem e formam diversidades mescladas... Eu as adoro, todos lá em casa as adoram.
As flores caíram se misturando a terra, os pés ficaram vazios, e secaram, foram ficando negros e tortos... Não nasceram mais flores. Descobrimos que ele era para uma vez só, todo o cuidado, a dedicação e afago valiam em única dose. Contudo nem tudo estava perdido, haviam bolinhas cheias das minúsculas sementes em cada lugar onde nascera uma flor. A colhemos, e colocamos em uma grande recipiente... As sementes haviam se multiplicado... Era agora o dobro do que o número que minha avó tinha nos dado. Repetimos todo o ritual, e demos um pouco de sementes para uma tia. Tudo aconteceu novamente, inclusive com ela. E pelo que soubemos, as sementes dela também se multiplicaram e ela deu para algumas pessoas. Estávamos espalhando alegria ao mundo.
O jardim de minha vó não existe mais, ela mesma também já partiu. E uns dias atrás, coloquei em sua capela, um vazinho com dois lindos pés de boca-de-leão roxo com branco (minhas favoritas).
Continuamos o ciclo de nossas vidas... As sementes num recipiente, plantamos em uma caixa, nascem, crescem, mudamos para o jardim, damos algumas, florescem, secam, se tira os corpos mortos, colhemos as pequenas cachopas com as sementes, e tudo acontece de novo. Esperamos ansiosos, e nos sentamos na área a contemplar sua beleza. Ver cor por cor, a mais alta, a mais baixa, a mais florida, mais pobre, e todas irmãs de uma vida só... Mas companheiras, fazendo o futuro, e mais do que nos pertencendo... Fazendo nós a pertencermos!


Douglas Tedesco – 12/2007

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

EU ERA MAIS IMPORTANTE !



EU ERA MAIS IMPORTANTE!


Devia ter uns sete anos, não mais que isso, criança, que não sabia conter suas vontades ainda. Minha mãe e meu pai ainda trabalhavam na extinta gráfica de nossa propriedade. O negócio dava pra nos manter sem passar necessidades, mas também não para luxos. Um dia, minha mãe, eu e uma amiga dela, prima do meu pai, a Nevinha fomos para Itajaí, para alugar vestidos elegantes para irem a um casamento, e também para pegarem um serviço muito importante para uma empresa amiga nossa. Já era de tarde quando estávamos com os vestidos em mão, e o serviço, que se tratava de um milheiro de folders a serem distribuídos em Tijucas. Porém no caminho aconteceu um acidente na BR, e ficamos parados no trânsito, durante horas... Estava frio e estava com fome, paramos perto do nada, bem ao lado dele,e mesmo com medo, as duas e eu entramos numa rua escura e deserta, com a indicação de que ali havia um lanchonete, realmente quase um quilômetro depois havia, e era um inferninho. Pensaram em voltar, mas já estávamos ali, e ainda que sob os olhares das putas, e indagação de maus encarados elas entraram comigo cheias de coragem, e comparam-me um salgadinho bilú, era só o que o dinheiro dava. Voltamos rápido, entramos no ônibus, e para livrar-me do frio, minha mãe deitou-me em seu colo e abriu a embalagem de folders, pegou alguns e me cobriu. O que diria ao dono dos folders? O que faria para suprir a falta daquele material, e a embalagem rasgada, como explicaria? Eu era mais importante que tudo aquilo, incontestavelmente, por isso, por nada do que eu precisei ela contestou em fazer, mesmo em condições impróprias e terríveis. EU ERA MAIS IMPORTANTE! E aqueceu-me muito mais o seu amor, o seu calor humano, do que aquele papel couchet sobre meu corpo. Muito obrigado. Mesmo não cabendo mais sem eu colo, precisando de muitos folders para me cobrir, sou eternamente grato. E estes dias, lembrando este fato, ela me corrigiu docemente: "Não filho, você não era mais importante, você É mais importante !