sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Bailei na Curva - cena linda.


O lindo texto "Bailei na Curva", uma das cenas mais lindas... A mãe que nunca mais verá o filho...




CENA 12: O SONHO
"Adianta lutar sozinho?" ou "Tua calça de brim está no arame, vai buscar."

(MUDANÇA DE CENA. CASA DE PEDRO. DONA ELVIRA COSTURANDO. PEDRO CHEGA. É NOITE.)
DONA ELVIRA
Pedro, isso é hora de chegar?
PEDRO
A mesma hora de sempre.
DONA ELVIRA
Tu sabes que eu não durmo enquanto tu não chegas?
PEDRO
Mãe, tu sabe que esta luz é fraca, faz mal para os olhos. Mania de costurar no escuro.
DONA ELVIRA
Eu sei, a Gabriela já me falou.
PEDRO
Então, precisa te cuidar mais.
DONA ELVIRA
Tu estás com fome?
PEDRO
Estou.
DONA ELVIRA
Vou fazer alguma coisa.
PEDRO
Não precisa.
DONA ELVIRA
Que fome é essa então?

PEDRO
(PAUSA) Mãe, o que a gente faz quando não tem mais nada prá fazer?
DONA ELVIRA
Não sei...
PEDRO
A gente fica parado... dorme...não faz nada.... ou faz alguma coisa? (SILÊNCIO) O mesmo silêncio de sempre, ninguém responde. Por quê?
DONA ELVIRA
Filho, o que a gente responde quando não tem nada para responder?
PEDRO
É isso que eu quero saber! Sabe o que foi que descobri? Que a vida do pai não foi inútil. As pessoas continuam lutando e gritando.
DONA ELVIRA
Gritar o quê? Ninguém ouve. O que tu estás procurando, meu filho? O que tu queres?
PEDRO
Eu quero não te ver costurar até a essa hora da noite. Eu quero não precisar contar os centavos no fundo do bolso. (PAUSA) Eu vou embora.
DONA ELVIRA
Ir embora não adianta.
PEDRO
Quer que eu fique aí, estudando e trabalhando, prá quê?
DONA ELVIRA
Olha a tua irmã? Ela está estudando, vai ser médica, vai ser alguém...
PEDRO
Prá quê?
DONA ELVIRA
Prá ter a vida que nós não tivemos.
PEDRO
Ela está passando para o outro lado.
DONA ELVIRA
Que lado?
PEDRO
O lado deles.
DONA ELVIRA
O lado dos que vivem.
PEDRO
Não adianta remendar, o buraco é muito grande. (PAUSA) Tenho sonhado muito com o pai...
DONA ELVIRA
Teu pai sonhou e olha no que deu.
PEDRO
O pai não estava sonhando.
DONA ELVIRA
Adianta lutar sozinho?
PEDRO
Ele não estava sozinho. Tem muita gente com ele. Porque estão de boca calada não quer dizer que não pensem. Eles pensam e bastante.
DONA ELVIRA
Pedro, tu está falando igualzinho ao teu pai. Não quero te ver metido com esta gente.
PEDRO
Queres que eu fique de braços cruzados o resto da vida?
DONA ELVIRA
Não quero te ouvir falar neste assunto. (BATEM A PORTA. APREENSÃO)
HOMEM
Depressa. A gente está esperando.
PEDRO
Já estou indo.
HOMEM
Não demora, nosso contato (VÊ DONA ELVIRA) não podemos esperar mais... (SAI)
(PEDRO FECHA A PORTA. A MÃE ESTÁ EMOCIONADA, CHORA)
DONA ELVIRA
Pedro, tu calça de brim está no arame. Vai buscar.
(PEDRO SAI. DONA ELVIRA DOBRA COM CARINHO E LENTIDÃO A CAMISA DE PEDRO. SEUS MOVIMENTOS SÃO LENTOS, DOLORIDOS E DENSOS. PEDRO VOLTA. ELA ENTREGA A BOLSA DE VIAGEM. ELE COMEÇA A SAIR.)
DONA ELVIRA
Mesmo que não der prá mandar o endereço, escreve de vez em quando.
PEDRO
Eu escrevo.
DONA ELVIRA
Te cuida, meu filho.
PEDRO
Mãe, dá um beijo na Gabriela.
(PEDRO SAI. LUZES SE APAGAM. OUVE-SE UMA GAITINHA DE BOCA TOCANDO NO ESCURO.)