O simpático palco da Casa de Cultura de Itajaí é pequeno demais para o vigor, o entusiasmo e a alegria transbordante do grande elenco do espetáculo Itajaí... Lambreta, Brilhantina e Rock’n Roll. Neste sentido, vale a pena lembrar de B. Brecht quando afirmava que antes dos espectadores se “transformarem” por terem contato com uma determinada realidade ficcional apresentada a eles, seriam os próprios atores aqueles que em primeiro deveriam exercitar as suas vivências, aperfeiçoando assim seus próprios conhecimentos quando da discussão dialética acerca da atuação dos conflitos e dos processos sociais em cena. E era aí que residia um dos princípios das suas peças didáticas. Isto é, as peças didáticas poderiam até ser representadas sem a presença do público pois seria a experiência dialético-pedagógica, por excelência, que estaria em primeiro plano.
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E é mais ou menos isso que se vê no espetáculo Itajaí... Lambreta, Brilhantina e Rock’n Roll , engenhosamente marcado e ensaiado por Valentim Schmoeler. Porém, neste caso, vale ressaltar que a presença do público é indispensável. Notava-se, em cena, que os atores sabiam exatamente sobre aquela época, aqueles tipos, aqueles lugares e aqueles comportamentos que representavam, além dos hábitos e costumes possivelmente vivenciado por seus pais e avós. E é aí que reside o poder do teatro, que deu aos adolescentes e jovens do grande elenco a conhecer por meio do jogo teatral este tempo pregresso, que entretanto é naturalmente melhor apreciado, em seus detalhes, por quem viveu neste período e reconhece as citações presentes no espetáculo: músicas, propagandas, programas de rádio e tv, gírias, celebridades, etc. Este espetáculo deve ser um saudoso presente ao mais velhos, homenageado-os; e a possibilidade de fazer uma ponte entre os mais jovens de hoje e esse painel da Itajaí dos anos sessenta.
Verifica-se que é na construção do painel da época que sobressaem as maiores debilidades da narrativa, que tinha que superar a difícil tarefa de colocar em cena todos, ou quase todos os quarenta e tantos alunos integrantes do Exercício Cênico Anchieta. Para estabelecer esta narrativa que é inspirada em Filme Triste de Vladimir Capella, e que infelizmente não conhecemos, Valentim Schmoeler estabeleceu como ponto de partida, para nos conduzir ao “túnel do tempo”, o encontro memorialistico entre as ex-amigas de escola, Rosa e Raquel. Residindo neste “reviver” um dos belos achados da adaptação da narrativa que trabalha com a apropriação de um lugar de forte valor na memória coletiva da cidade, hoje a Casa da Cultura, ontem o Grupo Escolar Victor Meirelles, local onde se ambienta o painel dos anos dourados. Porém, uma vez que o adaptador e diretor nos propõem este “túnel do tempo”, as debilidades da narrativa se tornam mais aparentes e por vezes geram aquelas “barrigas” que fazem o espetáculo se alongar por conta de detalhes que já foram insinuados.
Como a narrativa necessita ser estruturada encima do coletivo dos atores, fica difícil conduzir todos os jovens – rapazes e moças - a desenharem seus tipos com igual desenvoltura, o que também esta relacionado com a função de cada tipo no desenvolvimento do próprio panorama: a estrangeira pedante, o rapaz de óculos, a menina do cabelo “pega rapaz” e sua amiga, o forte da turma, o tímido, a avançadinha, a menina que quer virar mocinha, etc. A dificuldade está em dar o que fazer a este numeroso elenco, não fosse o grande elenco talentoso ao dançar e cantar as músicas da época.
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Com isso, quer se dizer que o espetáculo Itajaí... Lambreta, Brilhantina e Rock’n Roll é um exercício extremamente válido e enriquecedor sobretudo como pesquisa de época para formação de alunos-atores. São nítidas as potencialidades do conjunto de jovens e a engenhosidade e talento de seu diretor, Valentim Schmoeler, na condução do espetáculo. Porém, o mesmo exercício é fragilíssimo do ponto de vista dramatúrgico, pois falta uma ou várias ações dramáticas claras o bastante para alavancar o movimento deste quadro que se quer pintar. O artifício do encontro, por exemplo, entre Rosa e Raquel que prefigura o tom memorialistico, e tem seu apogeu na cena do baile, se contrasta com o final. A presença deste golpe de teatro absolutamente melodramático gera uma volta inverossímil de Rui. O namorado de outrora, que tendo perdido o pai e morrido a esposa, retorna agora, somente agora, no final da peça, para encontrar sua ex-namorada, de tempos atrás e cujo filho tem os seus olhos. Falta ao espetáculo uma certa arquitetura dramaturgica, sobretudo do ponto de vista da ação dramática que prefigure os conflitos internos e externos e desenhe com maior vigor o perfil dos tipos apresentados. Não seria de todo perda de tempo se dedicar a estudar uma peça como Aurora da minha vida assim como o argumento de uma novela como Estúpido Cupido para aperfeiçoar aquilo que se quer dizer.
Por: Walter Lima Torres